sexta-feira, 20 de abril de 2018

TOTEM E TABU - SIGMUND FREUD

Em Totem e Tabu Sigmund Freud busca a partir da antropologia e das ciências naturais fazendo uso do mito do pai primevo e chefe da horda. Freud começa suas reflexões sobre a proibição do incesto [união sexual ilícita entre parentes consanguíneos] em tribos aborígenes da Austrália. Freud assim expressa essa realidade “. Entretanto, verificamos que eles estabelecem para si próprios, com o maior escrúpulo e o mais severo rigor, o propósito de evitar relações sexuais incestuosas. Na verdade, toda a sua organização social parece servir a esse intuito ou estar relacionada com a sua consecução”. (p. 07) Além disso essa tribo não possui religião, mas faz uso do totem. Freud esclarece que “O que é um totem? Via de regra é um animal (comível e inofensivo, ou perigoso e temido) e mais raramente um vegetal ou um fenômeno natural (como a chuva ou a água), que mantém relação peculiar com todo o clã” (p. 07). Freud prossegue explicando que os diversos níveis de relações são universais, tais como pai, mãe, irmão etc, vão além do fator biológico.  Enquanto o sistema totêmico é, como sabemos, a base de todas as outras obrigações sociais e restrições morais da tribo, a significação das fratrias em geral parece não estender-se além da regulamentação da escolha matrimonial, que é seu objetivo. Em seguida Freud lança uma profunda descrição da proibição de incesto nas diversas tribos e culturas.Tudo o que pude acrescentar à nossa compreensão dele foi dar ênfase ao fato de que se trata fundamentalmente de uma característica infantil, e que revela uma notável concordância com a vida mental dos pacientes neuróticos. A psicanálise nos ensinou que a primeira escolha de objetos para amar feita por um menino é incestuosa e que esses são objetos proibidos: a mãe e a irmã. Estudamos também a maneira pela qual, à medida que cresce, ele se liberta dessa atração incestuosa.
Freud passa agora a apresentar a noção de tabu que assim o define “O significado de ‘tabu’, como vemos, diverge em dois sentidos contrários. Para nós significa, por um lado, ‘sagrado’, ‘consagrado’, e, por outro, ‘misterioso’, ‘perigoso’, ‘proibido’, ‘impuro’. O inverso de ‘tabu’ em polinésio é ‘noa’, que significa ‘comum’ ou ‘geralmente acessível’. Assim, ‘tabu’ traz em si um sentido de algo inabordável, sendo principalmente expresso em proibições e restrições. Nossa acepção de ‘temor sagrado’ muitas vezes pode coincidir em significado com ‘tabu’. ‘Pessoas ou coisas consideradas como tabu podem ser comparadas a objetos carregados de eletricidade; são a sede de um imenso poder transmissível por contato e que pode ser liberado com efeito destrutivo se os organismos que provocam sua descarga são fracos demais para resistir a ele; o resultado da violação de um tabu depende em parte da força da influência mágica inerente ao objeto ou pessoa tabu, em parte da força do mana antagônico do violador do tabu. Por trás de todas essas proibições parece haver algo como uma teoria de que elas são necessárias porque certas pessoas e coisas estão carregadas de um poder perigoso que pode ser transferido através do contato com elas, quase como uma infecção. Freud segue explicando que a psicanálise encontrou em neuróticos obsessivos os mesmos elementos de tabu que em tribos primitivas. A similaridade entre o tabu e a doença obsessiva talvez não seja mais que uma questão de circunstâncias exteriores; talvez se aplique apenas às formas pelas quais se manifestam e não se estenda ao seu caráter essencial. Sintetizemos agora os pontos em que a concordância entre as práticas do tabu e os sintomas obsessivos é mais claramente mostrada: (1) o ato de faltar às proibições qualquer motivo atribuível; (2) o fato de serem mantidas por uma necessidade interna; (3) o fato de serem facilmente deslocáveis e de haver um risco de infecção proveniente do proibido; e (4) o fato de criarem injunções para a realização de atos cerimoniais. Resumirei agora os aspectos da natureza do tabu que foram esclarecidos através da comparação deste com as proibições obsessivas dos neuróticos. O tabu é uma proibição primeva forçadamente imposta (por alguma autoridade) de fora, e dirigida contra os anseios mais poderosos a que estão sujeitos os seres humanos. O desejo de violá-lo persiste no inconsciente; aqueles que obedecem ao tabu têm uma atitude ambivalente quanto ao que o tabu proíbe. O poder mágico atribuído ao tabu baseia-se na capacidade de provocar a tentação e atua como um contágio porque os exemplos são contagiosos e porque o desejo proibido no inconsciente desloca-se de uma coisa para outra. O fato de a violação de um tabu poder ser expiada por uma renúncia mostra que esta renúncia se acha na base da obediência ao tabu.
Freud passa investigar a frente os diversos tabus entre determinados povos com seus reis e governantes. “Outro aspecto da atitude dos povos primitivos para com seus governantes relembra um procedimento que é comum nas neuroses em geral, mas vem à luz naquilo que é conhecido como delírio persecutório. A importância de uma pessoa determinada é imensamente exagerada e seu poder absoluto é aumentado até o grau mais improvável, a fim de poder ser mais fácil torná-la responsável por tudo de desagradável que o paciente possa experimentar. Os selvagens estão-se comportando exatamente da mesma maneira com seus reis quando lhes atribuem poder sobre a chuva e o sol, o vento e o clima, e depois os depõem ou matam porque a natureza desaponta suas esperanças de uma caçada bem sucedida ou de uma rica colheita.” O tabu em relação aos mortos é bem explorado por Freud em sua magnifica descrição nas mais diversas culturas tribais.
O animismo, em seu sentido mais estrito, é a doutrina de almas e, no mais amplo, a doutrina de seres espirituais em real. O termo ‘animatismo’ também foi usado para indicar a teoria do caráter vivo daquelas coisas que nos parecem ser objetos inanimados [ver adiante em [1]] e as expressões ‘animalismo’ e ‘hominismo’ também são empregadas em relação a isto. O animismo é um sistema de pensamento. Ele não fornece simplesmente uma explicação de um fenômeno específico, mas permite-me apreender todo o universo como uma unidade isolada de um ponto de vista único. Assim, a primeira imagem que o homem formou do mundo - o animismo - foi psicológica. Não precisou então de base científica, uma vez que a ciência só começa depois de ter-se dado contra de que o mundo é desconhecido e que, por conseguinte, tem-se de procurar meios para conseguir conhecê-lo. O animismo surgiu no homem primitivo naturalmente e como coisa normal. Ele sabia que as coisas eram semelhantes no mundo, ou seja, exatamente como ele próprio se sentia ser. Estamos então preparados para descobrir que o homem primitivo transpunha as condições estruturais de sua própria mente para o mundo externo; e podemos tentar inverter o processo e colocar de volta na mente humana aquilo que o animismo acredita ser a natureza das coisas.
Freud retorna agora a questão do totemismo. A vinculação entre um homem e seu totem é mutuamente benéfica; o totem protege o homem e este mostra seu respeito por aquele de diversas maneiras, não o matando, se for um animal; não o cortando, nem colhendo, se for um vegetal. Distintamente de um fetiche, um totem nunca é um indivíduo isolado, mas sempre uma classe de objetos, em geral uma espécie de animais ou vegetais, mais raramente uma classe de objetos naturais inanimados, muito menos ainda uma classe de objetos artificiais. Se o animal totêmico é o pai, então as duas principais ordenanças do totemismo, as duas proibições de tabu que constituem seu âmago - não matar o totem e não ter relações sexuais com os dois crimes de Édipo, que matou o pai e casou com a mãe, assim como os dois desejos primários das crianças, cuja repressão insuficiente ou redespertar formam talvez o núcleo de todas as psiconeuroses. Mas o luto é seguido por demonstrações de regozijo festivo: todos os instintos são liberados e há permissão para qualquer tipo de gratificação. Encontramos aqui um fácil acesso à compreensão da natureza dos festivais em geral. Um festival é um excesso permitido, ou melhor, obrigatório, a ruptura solene de uma proibição. Não é que os homens cometam os excessos porque se sentem felizes em conseqüência de alguma injunção que receberam. O caso é que o excesso faz parte da essência do festival; o sentimento festivo é produzido pela liberdade de fazer o que via de regra é proibido. A psicanálise revelou que o animal totêmico é, na realidade, um substituto do pai e isto entra em acordo com o fato contraditório de que, embora a morte do animal seja em regra proibida, sua matança, no entanto, é uma ocasião festiva - com o fato de que ele é morto e, entretanto, pranteado. A atitude emocional ambivalente, que até hoje caracteriza o complexo-pai em nossos filhos e com tanta freqüência persiste na vida adulta, parece estender-se ao animal totêmico em sua capacidade de substituto do pai.
Naturalmente, não há lugar para os primórdios do totemismo na horda primeva de Darwin. Tudo o que aí encontramos é um pai violento e ciumento que guarda todas as fêmeas para si próprio e expulsa os filhos à medida que crescem. Esse estado primitivo da sociedade nunca foi objeto de observação. O tipo mais primitivo de organização que realmente encontramos - que ainda se acha em vigor, até os dias de hoje, em certas tribos - consiste em grupos de machos; esses grupos são compostos de membros com direitos iguais e estão sujeitos às restrições do sistema totêmico, inclusive a herança através da mãe. Poderia essa forma de organização ter-se desenvolvido a partir da outra? E, se assim foi, ao longo de que linhas? Certo dia, os irmãos que tinham sido expulsos retornaram juntos, mataram e devoraram o pai, colocando assim um fim à horda patriarcal. Unidos, tiveram a coragem de fazê-lo e foram bem sucedidos no que lhes teria sido impossível fazer individualmente. (Algum avanço cultural, talvez o domínio de uma nova arma, proporcionou-lhes um senso de força superior.) Selvagens canibais como eram, não é preciso dizer que não apenas matavam, mas também devoravam a vítima. O violento pai primevo fora sem dúvida o temido e invejado modelo de cada um do grupo de irmãos: e, pelo ato de devorá-lo, realizavam a identificação com ele, cada um deles adquirindo uma parte de sua força. A refeição totêmica, que é talvez o mais antigo festival da humanidade, seria assim uma repetição, e uma comemoração desse ato memorável e criminoso, que foi o começo de tantas coisas: da organização social, das restrições morais e da religião. Odiavam o pai, que representava um obstáculo tão formidável ao seu anseio de poder e aos desejos sexuais; mas amavam-no e admiravam-no também. Após terem-se livrado dele, satisfeito o ódio e posto em prática os desejos de identificarem-se com ele, a afeição que todo esse tempo tinha sido recalcada estava fadada a fazer-se sentir e assim o fez sob a forma de remorso. Um sentimento de culpa surgiu, o qual, nesse caso, coincidia com o remorso sentido por todo o grupo. O pai morto tornou-se mais forte do que o fora vivo - pois os acontecimentos tomaram o curso que com tanta freqüência os vemos tomar nos assuntos humanos ainda hoje. O que até então fora interdito por sua existência real foi doravante proibido pelos próprios filhos, de acordo com o procedimento psicológico que nos é tão familiar nas psicanálises, sob o nome de ‘obediência adiada’. Anularam o próprio ato proibindo a morte do totem, o substituto do pai; e renunciaram aos seus frutos abrindo mão da reivindicação às mulheres que agora tinham sido libertadas. Criaram assim, do sentimento de culpa filial, os dois tabus fundamentais do totemismo, que, por essa própria razão, corresponderam inevitavelmente aos dois desejos reprimidos do complexo de Édipo. Quem quer que infringisse esse tabus tornava-se culpado dos dois únicos crimes pelos quais a sociedade primitiva se interessava. Embora os irmãos se tivessem reunido em grupo para derrotar o pai, todos eram rivais uns dos outros em relação às mulheres. Cada um quereria, como o pai, ter todas as mulheres para si. A nova organização terminaria numa luta de todos contra todos, pois nenhum deles tinha força tão predominante a ponto de ser capaz de assumir o lugar do pai com êxito. Assim, os irmãos não tiveram outra alternativa, se queriam viver juntos - talvez somente depois de terem passado por muitas crises perigosas -, do que instituir a lei contra o incesto, pela qual todos, de igual modo, renunciavam às mulheres que desejavam e que tinham sido o motivo principal para se livrarem do pai. Ao concluir, então, esta investigação excepcionalmente condensada, gostaria de insistir em que o resultado dela mostra que os começos da religião, da moral, da sociedade e da arte convergem para o complexo de Édipo. Diante do exposto, Freud defendeu a tese de que o pai primevo morto pelos seus filhos continua vivo através do sentimento de culpa e remorso dos filhos. Isso favoreceu a proibição do incesto que perpetua-se na mais diversas culturas.


 Bibliografia

SPARANO, Maria Cristina de Távora. Epistemologia da psicanálise / Maria Cristina de Távora Sparano. – Dados eletrônicos. - Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, Secretaria de Ensino a Distância, 2017.

Freud, Sigmund.Totem e Tabu. Tradução Órizon Carneiro Muniz. Rio de Janeiro: Imago, 1974b. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. XIII)




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