segunda-feira, 28 de maio de 2018

A ANGÚSTIA EM LACAN, HEIDEGGER E KIERKEGAARD


Angústia em Heidegger

A angustia foi abordada de forma muito original por Heidegger em sua obra Ser e Tempo. Nesta obra o filósofo alemão trabalha a noção de angústia como uma disposição fundamental, ou seja, é uma abertura para vida. Isso de dá via ao estado de humor. Parafraseando Heidegger " o estado de humor não remete, de início, a algo psíquico e não é, em si mesmo, um estado interior que, então, se exteriorizasse de forma enigmática, dando cor às coisas e pessoas (...) é um modo existencial básico da abertura igualmente originária de mundo (...)" (Heidegger,1927/2006, p. 196). É através desta disposição que o homem efetivamente entra em contato com o ser e o real.

Em seu percurso filosófico Heidegger deseja superar a visão metafísica e reconduzir o homem ao Dasein, ao ser. O esquecimento do ser e de seu sentido faz com que Heidegger tente recuperá-lo do esquecimento provocado pela metafísica. “Esse projeto, que tem início em sua primeira obra publicada, Ser e tempo, perfaz todo o propósito do pensamento de Heidegger, a sua intenção fundamental de colocar novamente a questão do sentido de ser.” (Murta e Pessoa, 2017 pgs 21e 22)

Para Kierkegaard a angústia não é um conceito por não poder ser objeto de estudo pela ciência.  A angústia é da ordem do existente, do individual, positivo, transcendente, descontínuo. Como o pecado, a angústia é positiva e não pode ser concebida; ele é transcendente e se apresenta em ruptura com a imanência.  Sua descontinuidade se mostra pela via do salto. Segundo Kierkegaard, toda coisa nova surge pela via do salto e de maneira abrupta.

Uma das características marcantes da angústia é sua individualidade como essência da singularidade do sujeito. Para Kierkegaard a angústia/pecado são um salto na medida em que se trata uma operação da ordem do ato. Além disso, o filosofo em questão entende que o pecado produziu aquilo que ele classificou como um estatuto de conceito.

Dada a íntima relação de pecado e angústia para Kierkegaard, ele procura usar a história Bíblica de Adão e Eva para desenvolver sua tese sobre a angústia. “É uma reflexão sobre a falta, uma releitura da história do pecado original. Segundo Kierkegaard, Adão designa a si mesmo, além do gênero humano; de tal modo que o pecado entra no mundo a cada geração. O centro do problema do pecado original é a angústia.” (Pessoa, 2017 p. 37)

Kierkegaard compreende a angustia como vertigem da liberdade que desperta no homem a angustia. Isso por que a angustia abriga em si o paradoxo, da coisa que é e o nada. Nas palavras de Pessoa “a angústia é o limite entre a inocência e o pecado”. Mais uma vez vale a pena recorrer ao pensamento de Pessoa:

“Pois o pecado se dá no instante que é a angústia. No fenômeno da angústia se revela a positividade do nada. A angústia se apresenta no instante em que ainda não se é culpado e, contudo, já se perdeu a inocência. O futuro culpado é inocente e o inocente se sente culpado. O devir desconhecido é vivido pelo homem como angústia. (Pessoa, 2017 p. 38)

Neste sentido a ambiguidade provocada pelo pecado conduz a homem a uma angústia profunda. Uma culpa que o persegue e o dilacera. Portanto Adão significa todo homem que peca e por isso mesmo traz em si as marcas do pecado/angústia. Fica evidenciado assim as razões por que todo homem é angustiado. Por outro lado, a angustia é a forma mais privilegiada de humanização do homem.

Lacan entende que na noção da queda de Kierkegaard está de algum modo implícito o objeto a como aquilo que falta e que o homem sempre está a procurar. Pessoa assim coloca essa questão “Lacan interpreta a estrutura da angústia como potência da falta, como ato que atesta que a falta se dá, quando no lugar do objeto a do desejo aparece algo.” (Pessoa,2017 p. 39) A angústia funciona como um operador que produz o objeto causa do desejo. Procurar a causa do desejo pelo viés da angústia é, para Lacan, “o caminho que revivifica toda a dialética do desejo” (lacan, p.265), pois só esse caminho lhe permite introduzir a novidade da função do objeto na relação com o desejo que o retira do campo da relação significante, que mortifica o desejo.

O desejo como ilusão provoca a angústia nos homens, mas a angústia não é ilusão e sim algo real. A angústia lacaniana é uma via de acesso ao objeto a que causa o desejo. Nesse sentido, a angústia está aquém do desejo. Para ele o verdadeiro objeto causa do desejo está atrás e não na frente do desejo.

“A Aufhebung se revela impotente diante desse objeto que não se presta à dialética e que se apresenta como resto. Lacan recorre à angústia como uma via alternativa à Aufhebung para evidenciar aquilo que escapa à Aufhebung, aquilo que não é significável, que constitui resto de toda significação. A grande referência desse seminário passa ser Kierkegaard, que faz da queda a condição humana; não se trata mais de mediação no sentido hegeliano, mas de queda no sentido kierkegaardiano; tanto que, na última frase do Seminário, Lacan enuncia que: “convém asseguradamente que o analista seja aquele que, pouco que seja, por qualquer viés, por qualquer borda, tenha feito entrar seu desejo nesse a irredutível para oferecer à questão do conceito de angústia uma garantia real”.(Pessoa, 2017 p. 40)

Bibliografia

kierkegaard, s. (1844). O Conceito de Angústia. São Paulo: Hemus, 2007.

Lacan, j. O Seminário, livro 10 - A Angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2005.

Pessoa, Fernando. Angústia em filosofia e psicanálise. Vitória : Universidade Federal do Espírito Santo, Secretaria de Ensino a Distância, 2017.

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