Angústia em Heidegger
A
angustia foi abordada de forma muito original por Heidegger em sua obra Ser e
Tempo. Nesta obra o filósofo alemão trabalha a noção de angústia como uma
disposição fundamental, ou seja, é uma abertura para vida. Isso de dá via ao
estado de humor. Parafraseando Heidegger " o estado de humor não remete,
de início, a algo psíquico e não é, em si mesmo, um estado interior que, então,
se exteriorizasse de forma enigmática, dando cor às coisas e pessoas (...) é um
modo existencial básico da abertura igualmente originária de mundo (...)"
(Heidegger,1927/2006, p. 196). É através desta disposição que o homem
efetivamente entra em contato com o ser e o real.
Em seu
percurso filosófico Heidegger deseja superar a visão metafísica e reconduzir o
homem ao Dasein, ao ser. O esquecimento do ser e de seu sentido faz com que
Heidegger tente recuperá-lo do esquecimento provocado pela metafísica. “Esse
projeto, que tem início em sua primeira obra publicada, Ser e tempo, perfaz
todo o propósito do pensamento de Heidegger, a sua intenção fundamental de
colocar novamente a questão do sentido de ser.” (Murta e Pessoa, 2017 pgs 21e
22)
Para
Kierkegaard a angústia não é um conceito por não poder ser objeto de estudo
pela ciência. A angústia é da ordem do
existente, do individual, positivo, transcendente, descontínuo. Como o pecado,
a angústia é positiva e não pode ser concebida; ele é transcendente e se
apresenta em ruptura com a imanência. Sua
descontinuidade se mostra pela via do salto. Segundo Kierkegaard, toda coisa
nova surge pela via do salto e de maneira abrupta.
Uma
das características marcantes da angústia é sua individualidade como essência
da singularidade do sujeito. Para Kierkegaard a angústia/pecado são um salto na
medida em que se trata uma operação da ordem do ato. Além disso, o filosofo em
questão entende que o pecado produziu aquilo que ele classificou como um
estatuto de conceito.
Dada a
íntima relação de pecado e angústia para Kierkegaard, ele procura usar a
história Bíblica de Adão e Eva para desenvolver sua tese sobre a angústia. “É
uma reflexão sobre a falta, uma releitura da história do pecado original.
Segundo Kierkegaard, Adão designa a si mesmo, além do gênero humano; de tal
modo que o pecado entra no mundo a cada geração. O centro do problema do pecado
original é a angústia.” (Pessoa, 2017 p. 37)
Kierkegaard
compreende a angustia como vertigem da liberdade que desperta no homem a
angustia. Isso por que a angustia abriga em si o paradoxo, da coisa que é e o
nada. Nas palavras de Pessoa “a angústia é o limite entre a inocência e o
pecado”. Mais uma vez vale a pena recorrer ao pensamento de Pessoa:
“Pois
o pecado se dá no instante que é a angústia. No fenômeno da angústia se revela
a positividade do nada. A angústia se apresenta no instante em que ainda não se
é culpado e, contudo, já se perdeu a inocência. O futuro culpado é inocente e o
inocente se sente culpado. O devir desconhecido é vivido pelo homem como
angústia. (Pessoa, 2017 p. 38)
Neste
sentido a ambiguidade provocada pelo pecado conduz a homem a uma angústia
profunda. Uma culpa que o persegue e o dilacera. Portanto Adão significa todo
homem que peca e por isso mesmo traz em si as marcas do pecado/angústia. Fica
evidenciado assim as razões por que todo homem é angustiado. Por outro lado, a
angustia é a forma mais privilegiada de humanização do homem.
Lacan
entende que na noção da queda de Kierkegaard está de algum modo implícito o
objeto a como aquilo que falta e que o homem sempre está a procurar. Pessoa
assim coloca essa questão “Lacan interpreta a estrutura da angústia como
potência da falta, como ato que atesta que a falta se dá, quando no lugar do
objeto a do desejo aparece algo.” (Pessoa,2017 p. 39) A angústia funciona como
um operador que produz o objeto causa do desejo. Procurar a causa do desejo
pelo viés da angústia é, para Lacan, “o caminho que revivifica toda a dialética
do desejo” (lacan, p.265), pois só esse caminho lhe permite introduzir a
novidade da função do objeto na relação com o desejo que o retira do campo da
relação significante, que mortifica o desejo.
O
desejo como ilusão provoca a angústia nos homens, mas a angústia não é ilusão e
sim algo real. A angústia lacaniana é uma via de acesso ao objeto a que causa o
desejo. Nesse sentido, a angústia está aquém do desejo. Para ele o verdadeiro
objeto causa do desejo está atrás e não na frente do desejo.
“A
Aufhebung se revela impotente diante desse objeto que não se presta à dialética
e que se apresenta como resto. Lacan recorre à angústia como uma via
alternativa à Aufhebung para evidenciar aquilo que escapa à Aufhebung, aquilo
que não é significável, que constitui resto de toda significação. A grande
referência desse seminário passa ser Kierkegaard, que faz da queda a condição
humana; não se trata mais de mediação no sentido hegeliano, mas de queda no
sentido kierkegaardiano; tanto que, na última frase do Seminário, Lacan enuncia
que: “convém asseguradamente que o analista seja aquele que, pouco que seja,
por qualquer viés, por qualquer borda, tenha feito entrar seu desejo nesse a
irredutível para oferecer à questão do conceito de angústia uma garantia real”.(Pessoa,
2017 p. 40)
Bibliografia
kierkegaard,
s. (1844). O Conceito de Angústia.
São Paulo: Hemus, 2007.
Lacan,
j. O Seminário, livro 10 - A Angústia.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2005.
Pessoa,
Fernando. Angústia em filosofia e
psicanálise. Vitória : Universidade Federal do Espírito Santo, Secretaria
de Ensino a Distância, 2017.