quarta-feira, 22 de agosto de 2018

AMOR EM FILOSOFIA E PSICANÁLISE


Fichamento 2
Na classificação tomista há dois tipos de paixões: as que dizem respeito ao bem e ao mal absolutamente, as paixões do concupiscível. São as seis primeiras: amor, ódio, desejo, aversão, deleite e tristeza, enquanto as cinco últimas concernem ao bem e ao mal enquanto difícil provindo do irascível. Em primeiro lugar serão vistas as paixões do concupiscível.
Amor é a mais forte das paixões. Em sentido estrito, o amor é um ato de apetência, que se refere ao bem presente ou ausente simplesmente considerado. O amor-paixão é um ato do apetite sensitivo “concupiscível”, ao passo que o amor-volição é um ato do apetite intelectivo ou da vontade. O objeto do amor é o bem. Tomás de Aquino insiste, antes de tudo, no fato de que o amor implica certa inclinação, aptidão, conaturalidade ou união com o objeto amado. O contrário sucede com o ódio, que é o afeto mais contrário ao amor.
Ódio é como um amor invertido: é a tendência afetiva contra o mal, tanto presente quanto ausente.
Desejo é um movimento do apetite concupiscível para o bem ausente simplesmente considerado. Chama-se também “concupiscência”; mas este termo é menos claro do que “desejo”.
Aversão corresponde ao desejo na linha do mal, pois se refere ao mal ausente simplesmente considerado (assim, dizemos que o homem tem aversão à enfermidade).
Deleite tem como objeto próprio o bem amado (por exemplo, a saúde) enquanto realmente presente.
Dor/Tristeza é um afeto diametralmente contrário ao deleite. Refere-se ao mal presente e simplesmente considerado. É como um repouso forçado e não natural em um mal odiado. Falando propriamente sobre o “gozo”, trata-se de um deleite de ordem psíquica (não corporal), e a tristeza é uma dor da mesma ordem. Assim, dizemos que gozamos com as boas notícias e que nos entristecemos com as más.
Agora serão apresentadas as paixões de ordem irascível. 
Esperança é o ato primeiro e mais importante do apetite irascível. É o movimento afetivo de acesso a um bem árduo e considerado como exequível.
Desespero se contrapõe o desespero. Este, como indica seu nome, é uma negação da esperança anterior (do mesmo sujeito), pois o sujeito desesperado abandona a luta e se afasta afetivamente do bem árduo ausente, considerado como inexequível ou quase inexequível.
Medo se refere ao mal árduo ausente e ameaçador (por exemplo, um grupo inimigo) que o sujeito julga superar e se diversifica seguindo a imprevisibilidade desse mal: o medo pode ser angústia, ou, segundo seu caráter insólito, estupor, etc., mas isso não muda a natureza da paixão.
Audácia versa sobre o mesmo mal, mas nos incita a aproximar-nos dele para superá-lo.
Ira uma paixão composta de outras duas: a tristeza pela grave injustiça sofrida e o desejo esperançoso de vingar ou reparar tal injustiça. É a única paixão à que propriamente não se opõe outra, porque o bem árduo ausente quando se faz presente se converte em um bem simples (e é objeto de gozo, como a vitória já obtida), e a renúncia à vergonha leva à “resignação” (que é uma tristeza tranquila) ou à “apatia” (indiferença ante os graves males que nos invadem).







 AMOR EM FILOSOFIA E PSICANÁLISE


Atividades propostas
• O que significa “desejo” para Tomás de Aquino?
Tomás de Aquino apresenta três definições de desejo: appetitus ou desejo em sentido amplo; desejo de ordem sensível; desejo desordenado ou pecaminoso (sobretudo tratando-se dos deleites do tato). Em sentido amplo, é a apetência de qualquer espécie de bem (possuído ou não possuído, fácil ou árduo). Em sentido estrito, é a apetência do bem não possuído e não árduo.
• Quais as relações entre o desejo e os outros afetos?
O desejo se refere somente ao bem ausente e a ele se opõe a aversão (horror, fuga) que tem como objeto próprio o mal ausente. Em seguida, temos o deleite (sobre o bem presente) e a dor (sobre o mal presente). Esses são os seis atos típicos ou as seis “paixões” da faculdade apetitiva concupiscível, que se denomina “concupiscível” porque nela se manifesta maximamente a concupiscência ou o desejo.
1) Distingue-se do ódio, da aversão e da dor porque essas três paixões versam essencialmente sobre o mal, e o desejo se refere necessariamente ao bem (ou ao que é considerado como bom).
2) Distingue-se também do amor e do gozo porque o primeiro versa sobre o bem tanto presente como ausente, e o segundo só se refere ao bem presente.
O objeto próprio do amor (que é a primeira de todas as paixões) é o bem simplesmente considerado, tanto presente como ausente, ao passo que o desejo só tem como objeto próprio o bem simples enquanto ausente. O ódio é a primeira paixão só na linha do mal, pois constitui o primeiro movimento afetivo para evitar o mal ou o que é inconveniente. Na linha do bem, o desejo é o efeito primeiro do amor. A “concupiscência” ou desejo se opõe, propriamente falando, à aversão (fuga), porque o desejo versa sobre o bem simples ausente, e a aversão sobre o mal simples também ausente. O desejo pode ser causa de deleite ou causa de dor. É causa de deleite quando se obtém o bem desejado (deleite perfeito) ou se espera obtê-lo (deleite imperfeito). É causa de dor quando não se consegue tal bem, ou quando nos desesperamos por consegui-lo. Notemos que a esperança pressupõe o amor e o desejo do bem (por exemplo, da vitória) e “fortifica” ou reforça o ato desejante, estendendo o apetite para as coisas grandes e difíceis, de modo que a esperança é como um amor ou como um desejo reforçado e “exaltado”, que tende para o bem árduo ausente.
• Explique o que é a moralidade do desejo.
O homem age bem, no plano moral, quando estabelece seu fim último em Deus (único bem perfeito); age moralmente mal quando coloca sua felicidade nos bens criados (que são sempre imperfeitos). As paixões que nos inclinam para o pecado podem reduzir-se a três: a concupiscência da carne ou dos prazeres carnais (luxúria), a concupiscência dos olhos ou das riquezas materiais (avareza) e a soberba da vida, que implica o amor exagerado de si mesmo, porque às duas citadas “concupiscências” se reduzem as paixões do apetite concupiscível e todas as paixões da classe irascível são redutíveis à soberba.
A moralidade do desejo depende dos objetos (bons ou maus moralmente) que desejamos, assim como do modo de nossos desejos (moderados ou imoderados), da condição do sujeito desejante e de outras várias circunstâncias. É natural e bom o desejo da felicidade. Mas pecamos quando buscamos a felicidade perfeita nas criaturas e não em Deus. Quem coloca em Deus sua felicidade última deve ordenar todos os seus desejos para este fim. E nunca devemos usar meios ilícitos sob o pretexto do fim bom (por exemplo, não devemos roubar para dar esmola). “Tratando-se das ações e das paixões humanas, tem muito valor a experiência, e movem mais os exemplos que as doutrinas” (Suma de Teologia ia-iiae,34,1). Neste sentido, o homem deve usar adequadamente os desejos em vista do bem.
• Qual é o papel das paixões para a perfeição moral segundo Tomás de Aquino?
1) Em primeiro lugar, as paixões não possuem nenhum papel possível no conhecimento da natureza da beatitude, nem sobrenatural, nem natural, uma vez que ambas se fundam em nossa natureza intelectual e não em nossa natureza sensível: o tratado das paixões é distinto do da beatitude, assim como a parte sensitiva da alma o é, já que o apetite sensível distingue-se de sua parte intelectiva;
2) Em segundo lugar, as paixões têm uma relação com a perfeição a que o homem pode chegar naturalmente, que é a virtude, e que Tomás de Aquino identifica por vezes com a beatitude imperfeita acessível nesta vida. E é unicamente na medida em que as paixões derivam da razão e da liberdade que elas são atos humanos e podem, pois, intervir na perfeição própria do homem, a perfeição moral. É, pois, na relação das paixões com a razão, que se dá sua contribuição para a perfeição ou a imperfeição moral do homem: ‘Essas paixões consideradas em si mesmas são comuns aos homens e aos outros animais, mas enquanto comandadas pela razão elas são próprias ao homem (Suma de Teologia ia-iiae, q.24, a.1, ad 1)’.
Assim, por exemplo, a virtude da prudência nos move a realizar o bem segundo as diversas circunstâncias; a temperança refreia nossos desejos e concupiscências; a virtude da fortaleza nos mantém firmes contra o temor e outras paixões que nos inclinam a afastar-nos do bom caminho; a justiça regula nosso agir quanto às coisas exteriores. A razão (neste caso, o intelecto e a vontade) não possui domínio “despótico” ou total sobre as paixões; seu domínio é somente “político” ou resistível. Mas algumas vezes as paixões são tão violentas, que dificultam ou, inclusive, anulam as forças de nosso intelecto e de nossa vontade.
Bibliografia
Tomás de aquino. Suma Teológica. 9 vols. São Paulo: Edições Loyola, 2001ss.
Murta, Alberto. Murta, Cláuda. Santos, Jorge Augusto Silva. Amor e Paixão em Filosofia e Psicanálise. Universidade Federal do Espírito Santo. Secretaria de Ensino a Distância. Vitória/E.S, 2017.

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Análise do filme "Esse obscuro objeto do desejo"


A busca pela felicidade está de acordo com os desejos mais profundos do homem. Na verdade, trata-se de uma busca sem fim, pois o homem nunca está plenamente satisfeito e por isso ele está sempre a procurar. A razão trabalha para que o homem possa ponderar sobre qual caminho seguir tendo em vista a felicidade. Por outro lado, a razão conduz o homem a questão da justiça e da virtude

O poder e a liberdade propostos por Sartre abrigam em si a angústia da eterna busca pelo que desejamos, de um desejo que nunca será plenamente realizado, o desejo de si. Somos aquele que sempre está em movimento, nunca parados, sempre inquietos, em busca de algo, desejando a nós mesmos, insatisfeitos. Daí o desejo de si e a angústia como sentimento daquilo que falta. Sartre está convicto de que sempre o homem estará envolto nesta busca por algo que lhes falta.

Lacan é enfático ao dizer que o desejo é o desejo do nada, uma busca do objeto a. Aqui Lacan está na mesma linha de reflexão de Sartre. Dito de outro modo, o desejo constitui aquilo que não se possui. “Jacques-Alain Miller sublinha em “O ser e o nada” as premissas de uma teoria do sujeito lacaniano. Segundo ele, Lacan se apoia sobre a noção central de falta, que ele encontra em Sartre, para construir seu sujeito do inconsciente. Esse último será de fato conceituado como “falta a ser”, pois o sujeito em questão é sujeito do inconsciente freudiano.” (Souza e Murta, 2017 p. 34).

Souza e Murta são esclarecedora quanto a essa paixão pela falta ao afirmarem que “Lacan importa de Sartre o traço que aproxima a estrutura do desejo a uma “paixão da perda”. (Souza e Murta, 2017 p. 34)

No filme um homem (Mathieu) se envolve com uma bela moça (Conchita) que se torna seu objeto de desejo. Ele tenta possuída de todas as maneiras, seja através do dinheiro ou do conforto que proporciona, atendendo os desejos de sua amada. Mathieu está cego e louco de paixão e já não raciocina normalmente, mas se deixa levar pelo seu desejo. Aliás esse desejo passa a mover a vida as ações de Mathieu.

A trama se desenvolve num jogo de gato e rato, onde ele procura atender seu desejo sexual e ela o desejo de ser amada. Uma frase do filme define bem o que é o desejo. Diz Conchita a Mathieu “Se eu lhe der o que me pede, não vai me querer mais”, ou seja, quando se possui um desejo atendido criamos outro. A moça sabe ou tem medo que quando seu amado possuir o que deseja poderá deixa-la.

Antes de tudo Conchita quer ser desejada. Como mulher e adolescente que é, ela quer ser objeto do desejo do homem. Até como uma necessidade de identidade. O fundamental do seu jogo, é preservar e intensificar o desejo dele e possui-lo através do desejo que desperta nele. Outra coisa que deseja é preservar a sua liberdade, luta o tempo todo para não ser coisificada pelo desejo dele. Parece que deseja muito amar e ser amada na sua alteridade.

Se Conchita lhe nega o corpo, ele também lhe nega o casamento. É um jogo duplo na tentativa de prender pelo desejo. Não temos vítima de um lado e carrasco do outro, os dois são torturadores e torturados. A cada um lhe escapa, aspectos obscuros do desejo do outro, tanto porque, o desejo não tem um só objeto, são múltiplos os objetos do desejo de cada ser humano.

Enfim o filme nos possibilita aprofundar a reflexão sobre o desejo como falta, como uma paixão movida pela constante perda de tal maneira que vai moldando a vida e as ações do indivíduo. Em suma, o estranho que algo possa ser definido pela falta, pela ausência do seu objeto, mais assim é o desejo. Só podemos desejar aquilo que não possuímos, a posse do objeto, traz a satisfação e com ela o desaparecimento do desejo. A posse do objeto, produz a consumação do desejo.

A busca pela felicidade está de acordo com os desejos mais profundos do homem. Na verdade, trata-se de uma busca sem fim, pois o homem nunca está plenamente satisfeito e por isso ele está sempre a procurar. A razão trabalha para que o homem possa ponderar sobre qual caminho seguir tendo em vista a felicidade. Por outro lado, a razão conduz o homem a questão da justiça e da virtude

O poder e a liberdade propostos por Sartre abrigam em si a angústia da eterna busca pelo que desejamos, de um desejo que nunca será plenamente realizado, o desejo de si. Somos aquele que sempre está em movimento, nunca parados, sempre inquietos, em busca de algo, desejando a nós mesmos, insatisfeitos. Daí o desejo de si e a angústia como sentimento daquilo que falta. Sartre está convicto de que sempre o homem estará envolto nesta busca por algo que lhes falta.

Lacan é enfático ao dizer que o desejo é o desejo do nada, uma busca do objeto a. Aqui Lacan está na mesma linha de reflexão de Sartre. Dito de outro modo, o desejo constitui aquilo que não se possui. “Jacques-Alain Miller sublinha em “O ser e o nada” as premissas de uma teoria do sujeito lacaniano. Segundo ele, Lacan se apoia sobre a noção central de falta, que ele encontra em Sartre, para construir seu sujeito do inconsciente. Esse último será de fato conceituado como “falta a ser”, pois o sujeito em questão é sujeito do inconsciente freudiano.” (Souza e Murta, 2017 p. 34).

Souza e Murta são esclarecedora quanto a essa paixão pela falta ao afirmarem que “Lacan importa de Sartre o traço que aproxima a estrutura do desejo a uma “paixão da perda”. (Souza e Murta, 2017 p. 34)

No filme um homem (Mathieu) se envolve com uma bela moça (Conchita) que se torna seu objeto de desejo. Ele tenta possuída de todas as maneiras, seja através do dinheiro ou do conforto que proporciona, atendendo os desejos de sua amada. Mathieu está cego e louco de paixão e já não raciocina normalmente, mas se deixa levar pelo seu desejo. Aliás esse desejo passa a mover a vida as ações de Mathieu.

A trama se desenvolve num jogo de gato e rato, onde ele procura atender seu desejo sexual e ela o desejo de ser amada. Uma frase do filme define bem o que é o desejo. Diz Conchita a Mathieu “Se eu lhe der o que me pede, não vai me querer mais”, ou seja, quando se possui um desejo atendido criamos outro. A moça sabe ou tem medo que quando seu amado possuir o que deseja poderá deixa-la.

Antes de tudo Conchita quer ser desejada. Como mulher e adolescente que é, ela quer ser objeto do desejo do homem. Até como uma necessidade de identidade. O fundamental do seu jogo, é preservar e intensificar o desejo dele e possui-lo através do desejo que desperta nele. Outra coisa que deseja é preservar a sua liberdade, luta o tempo todo para não ser coisificada pelo desejo dele. Parece que deseja muito amar e ser amada na sua alteridade.

Se Conchita lhe nega o corpo, ele também lhe nega o casamento. É um jogo duplo na tentativa de prender pelo desejo. Não temos vítima de um lado e carrasco do outro, os dois são torturadores e torturados. A cada um lhe escapa, aspectos obscuros do desejo do outro, tanto porque, o desejo não tem um só objeto, são múltiplos os objetos do desejo de cada ser humano.

Enfim o filme nos possibilita aprofundar a reflexão sobre o desejo como falta, como uma paixão movida pela constante perda de tal maneira que vai moldando a vida e as ações do indivíduo. Em suma, o estranho que algo possa ser definido pela falta, pela ausência do seu objeto, mais assim é o desejo. Só podemos desejar aquilo que não possuímos, a posse do objeto, traz a satisfação e com ela o desaparecimento do desejo. A posse do objeto, produz a consumação do desejo.

segunda-feira, 28 de maio de 2018

A ANGÚSTIA EM LACAN, HEIDEGGER E KIERKEGAARD


Angústia em Heidegger

A angustia foi abordada de forma muito original por Heidegger em sua obra Ser e Tempo. Nesta obra o filósofo alemão trabalha a noção de angústia como uma disposição fundamental, ou seja, é uma abertura para vida. Isso de dá via ao estado de humor. Parafraseando Heidegger " o estado de humor não remete, de início, a algo psíquico e não é, em si mesmo, um estado interior que, então, se exteriorizasse de forma enigmática, dando cor às coisas e pessoas (...) é um modo existencial básico da abertura igualmente originária de mundo (...)" (Heidegger,1927/2006, p. 196). É através desta disposição que o homem efetivamente entra em contato com o ser e o real.

Em seu percurso filosófico Heidegger deseja superar a visão metafísica e reconduzir o homem ao Dasein, ao ser. O esquecimento do ser e de seu sentido faz com que Heidegger tente recuperá-lo do esquecimento provocado pela metafísica. “Esse projeto, que tem início em sua primeira obra publicada, Ser e tempo, perfaz todo o propósito do pensamento de Heidegger, a sua intenção fundamental de colocar novamente a questão do sentido de ser.” (Murta e Pessoa, 2017 pgs 21e 22)

Para Kierkegaard a angústia não é um conceito por não poder ser objeto de estudo pela ciência.  A angústia é da ordem do existente, do individual, positivo, transcendente, descontínuo. Como o pecado, a angústia é positiva e não pode ser concebida; ele é transcendente e se apresenta em ruptura com a imanência.  Sua descontinuidade se mostra pela via do salto. Segundo Kierkegaard, toda coisa nova surge pela via do salto e de maneira abrupta.

Uma das características marcantes da angústia é sua individualidade como essência da singularidade do sujeito. Para Kierkegaard a angústia/pecado são um salto na medida em que se trata uma operação da ordem do ato. Além disso, o filosofo em questão entende que o pecado produziu aquilo que ele classificou como um estatuto de conceito.

Dada a íntima relação de pecado e angústia para Kierkegaard, ele procura usar a história Bíblica de Adão e Eva para desenvolver sua tese sobre a angústia. “É uma reflexão sobre a falta, uma releitura da história do pecado original. Segundo Kierkegaard, Adão designa a si mesmo, além do gênero humano; de tal modo que o pecado entra no mundo a cada geração. O centro do problema do pecado original é a angústia.” (Pessoa, 2017 p. 37)

Kierkegaard compreende a angustia como vertigem da liberdade que desperta no homem a angustia. Isso por que a angustia abriga em si o paradoxo, da coisa que é e o nada. Nas palavras de Pessoa “a angústia é o limite entre a inocência e o pecado”. Mais uma vez vale a pena recorrer ao pensamento de Pessoa:

“Pois o pecado se dá no instante que é a angústia. No fenômeno da angústia se revela a positividade do nada. A angústia se apresenta no instante em que ainda não se é culpado e, contudo, já se perdeu a inocência. O futuro culpado é inocente e o inocente se sente culpado. O devir desconhecido é vivido pelo homem como angústia. (Pessoa, 2017 p. 38)

Neste sentido a ambiguidade provocada pelo pecado conduz a homem a uma angústia profunda. Uma culpa que o persegue e o dilacera. Portanto Adão significa todo homem que peca e por isso mesmo traz em si as marcas do pecado/angústia. Fica evidenciado assim as razões por que todo homem é angustiado. Por outro lado, a angustia é a forma mais privilegiada de humanização do homem.

Lacan entende que na noção da queda de Kierkegaard está de algum modo implícito o objeto a como aquilo que falta e que o homem sempre está a procurar. Pessoa assim coloca essa questão “Lacan interpreta a estrutura da angústia como potência da falta, como ato que atesta que a falta se dá, quando no lugar do objeto a do desejo aparece algo.” (Pessoa,2017 p. 39) A angústia funciona como um operador que produz o objeto causa do desejo. Procurar a causa do desejo pelo viés da angústia é, para Lacan, “o caminho que revivifica toda a dialética do desejo” (lacan, p.265), pois só esse caminho lhe permite introduzir a novidade da função do objeto na relação com o desejo que o retira do campo da relação significante, que mortifica o desejo.

O desejo como ilusão provoca a angústia nos homens, mas a angústia não é ilusão e sim algo real. A angústia lacaniana é uma via de acesso ao objeto a que causa o desejo. Nesse sentido, a angústia está aquém do desejo. Para ele o verdadeiro objeto causa do desejo está atrás e não na frente do desejo.

“A Aufhebung se revela impotente diante desse objeto que não se presta à dialética e que se apresenta como resto. Lacan recorre à angústia como uma via alternativa à Aufhebung para evidenciar aquilo que escapa à Aufhebung, aquilo que não é significável, que constitui resto de toda significação. A grande referência desse seminário passa ser Kierkegaard, que faz da queda a condição humana; não se trata mais de mediação no sentido hegeliano, mas de queda no sentido kierkegaardiano; tanto que, na última frase do Seminário, Lacan enuncia que: “convém asseguradamente que o analista seja aquele que, pouco que seja, por qualquer viés, por qualquer borda, tenha feito entrar seu desejo nesse a irredutível para oferecer à questão do conceito de angústia uma garantia real”.(Pessoa, 2017 p. 40)

Bibliografia

kierkegaard, s. (1844). O Conceito de Angústia. São Paulo: Hemus, 2007.

Lacan, j. O Seminário, livro 10 - A Angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2005.

Pessoa, Fernando. Angústia em filosofia e psicanálise. Vitória : Universidade Federal do Espírito Santo, Secretaria de Ensino a Distância, 2017.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

TOTEM E TABU - SIGMUND FREUD

Em Totem e Tabu Sigmund Freud busca a partir da antropologia e das ciências naturais fazendo uso do mito do pai primevo e chefe da horda. Freud começa suas reflexões sobre a proibição do incesto [união sexual ilícita entre parentes consanguíneos] em tribos aborígenes da Austrália. Freud assim expressa essa realidade “. Entretanto, verificamos que eles estabelecem para si próprios, com o maior escrúpulo e o mais severo rigor, o propósito de evitar relações sexuais incestuosas. Na verdade, toda a sua organização social parece servir a esse intuito ou estar relacionada com a sua consecução”. (p. 07) Além disso essa tribo não possui religião, mas faz uso do totem. Freud esclarece que “O que é um totem? Via de regra é um animal (comível e inofensivo, ou perigoso e temido) e mais raramente um vegetal ou um fenômeno natural (como a chuva ou a água), que mantém relação peculiar com todo o clã” (p. 07). Freud prossegue explicando que os diversos níveis de relações são universais, tais como pai, mãe, irmão etc, vão além do fator biológico.  Enquanto o sistema totêmico é, como sabemos, a base de todas as outras obrigações sociais e restrições morais da tribo, a significação das fratrias em geral parece não estender-se além da regulamentação da escolha matrimonial, que é seu objetivo. Em seguida Freud lança uma profunda descrição da proibição de incesto nas diversas tribos e culturas.Tudo o que pude acrescentar à nossa compreensão dele foi dar ênfase ao fato de que se trata fundamentalmente de uma característica infantil, e que revela uma notável concordância com a vida mental dos pacientes neuróticos. A psicanálise nos ensinou que a primeira escolha de objetos para amar feita por um menino é incestuosa e que esses são objetos proibidos: a mãe e a irmã. Estudamos também a maneira pela qual, à medida que cresce, ele se liberta dessa atração incestuosa.
Freud passa agora a apresentar a noção de tabu que assim o define “O significado de ‘tabu’, como vemos, diverge em dois sentidos contrários. Para nós significa, por um lado, ‘sagrado’, ‘consagrado’, e, por outro, ‘misterioso’, ‘perigoso’, ‘proibido’, ‘impuro’. O inverso de ‘tabu’ em polinésio é ‘noa’, que significa ‘comum’ ou ‘geralmente acessível’. Assim, ‘tabu’ traz em si um sentido de algo inabordável, sendo principalmente expresso em proibições e restrições. Nossa acepção de ‘temor sagrado’ muitas vezes pode coincidir em significado com ‘tabu’. ‘Pessoas ou coisas consideradas como tabu podem ser comparadas a objetos carregados de eletricidade; são a sede de um imenso poder transmissível por contato e que pode ser liberado com efeito destrutivo se os organismos que provocam sua descarga são fracos demais para resistir a ele; o resultado da violação de um tabu depende em parte da força da influência mágica inerente ao objeto ou pessoa tabu, em parte da força do mana antagônico do violador do tabu. Por trás de todas essas proibições parece haver algo como uma teoria de que elas são necessárias porque certas pessoas e coisas estão carregadas de um poder perigoso que pode ser transferido através do contato com elas, quase como uma infecção. Freud segue explicando que a psicanálise encontrou em neuróticos obsessivos os mesmos elementos de tabu que em tribos primitivas. A similaridade entre o tabu e a doença obsessiva talvez não seja mais que uma questão de circunstâncias exteriores; talvez se aplique apenas às formas pelas quais se manifestam e não se estenda ao seu caráter essencial. Sintetizemos agora os pontos em que a concordância entre as práticas do tabu e os sintomas obsessivos é mais claramente mostrada: (1) o ato de faltar às proibições qualquer motivo atribuível; (2) o fato de serem mantidas por uma necessidade interna; (3) o fato de serem facilmente deslocáveis e de haver um risco de infecção proveniente do proibido; e (4) o fato de criarem injunções para a realização de atos cerimoniais. Resumirei agora os aspectos da natureza do tabu que foram esclarecidos através da comparação deste com as proibições obsessivas dos neuróticos. O tabu é uma proibição primeva forçadamente imposta (por alguma autoridade) de fora, e dirigida contra os anseios mais poderosos a que estão sujeitos os seres humanos. O desejo de violá-lo persiste no inconsciente; aqueles que obedecem ao tabu têm uma atitude ambivalente quanto ao que o tabu proíbe. O poder mágico atribuído ao tabu baseia-se na capacidade de provocar a tentação e atua como um contágio porque os exemplos são contagiosos e porque o desejo proibido no inconsciente desloca-se de uma coisa para outra. O fato de a violação de um tabu poder ser expiada por uma renúncia mostra que esta renúncia se acha na base da obediência ao tabu.
Freud passa investigar a frente os diversos tabus entre determinados povos com seus reis e governantes. “Outro aspecto da atitude dos povos primitivos para com seus governantes relembra um procedimento que é comum nas neuroses em geral, mas vem à luz naquilo que é conhecido como delírio persecutório. A importância de uma pessoa determinada é imensamente exagerada e seu poder absoluto é aumentado até o grau mais improvável, a fim de poder ser mais fácil torná-la responsável por tudo de desagradável que o paciente possa experimentar. Os selvagens estão-se comportando exatamente da mesma maneira com seus reis quando lhes atribuem poder sobre a chuva e o sol, o vento e o clima, e depois os depõem ou matam porque a natureza desaponta suas esperanças de uma caçada bem sucedida ou de uma rica colheita.” O tabu em relação aos mortos é bem explorado por Freud em sua magnifica descrição nas mais diversas culturas tribais.
O animismo, em seu sentido mais estrito, é a doutrina de almas e, no mais amplo, a doutrina de seres espirituais em real. O termo ‘animatismo’ também foi usado para indicar a teoria do caráter vivo daquelas coisas que nos parecem ser objetos inanimados [ver adiante em [1]] e as expressões ‘animalismo’ e ‘hominismo’ também são empregadas em relação a isto. O animismo é um sistema de pensamento. Ele não fornece simplesmente uma explicação de um fenômeno específico, mas permite-me apreender todo o universo como uma unidade isolada de um ponto de vista único. Assim, a primeira imagem que o homem formou do mundo - o animismo - foi psicológica. Não precisou então de base científica, uma vez que a ciência só começa depois de ter-se dado contra de que o mundo é desconhecido e que, por conseguinte, tem-se de procurar meios para conseguir conhecê-lo. O animismo surgiu no homem primitivo naturalmente e como coisa normal. Ele sabia que as coisas eram semelhantes no mundo, ou seja, exatamente como ele próprio se sentia ser. Estamos então preparados para descobrir que o homem primitivo transpunha as condições estruturais de sua própria mente para o mundo externo; e podemos tentar inverter o processo e colocar de volta na mente humana aquilo que o animismo acredita ser a natureza das coisas.
Freud retorna agora a questão do totemismo. A vinculação entre um homem e seu totem é mutuamente benéfica; o totem protege o homem e este mostra seu respeito por aquele de diversas maneiras, não o matando, se for um animal; não o cortando, nem colhendo, se for um vegetal. Distintamente de um fetiche, um totem nunca é um indivíduo isolado, mas sempre uma classe de objetos, em geral uma espécie de animais ou vegetais, mais raramente uma classe de objetos naturais inanimados, muito menos ainda uma classe de objetos artificiais. Se o animal totêmico é o pai, então as duas principais ordenanças do totemismo, as duas proibições de tabu que constituem seu âmago - não matar o totem e não ter relações sexuais com os dois crimes de Édipo, que matou o pai e casou com a mãe, assim como os dois desejos primários das crianças, cuja repressão insuficiente ou redespertar formam talvez o núcleo de todas as psiconeuroses. Mas o luto é seguido por demonstrações de regozijo festivo: todos os instintos são liberados e há permissão para qualquer tipo de gratificação. Encontramos aqui um fácil acesso à compreensão da natureza dos festivais em geral. Um festival é um excesso permitido, ou melhor, obrigatório, a ruptura solene de uma proibição. Não é que os homens cometam os excessos porque se sentem felizes em conseqüência de alguma injunção que receberam. O caso é que o excesso faz parte da essência do festival; o sentimento festivo é produzido pela liberdade de fazer o que via de regra é proibido. A psicanálise revelou que o animal totêmico é, na realidade, um substituto do pai e isto entra em acordo com o fato contraditório de que, embora a morte do animal seja em regra proibida, sua matança, no entanto, é uma ocasião festiva - com o fato de que ele é morto e, entretanto, pranteado. A atitude emocional ambivalente, que até hoje caracteriza o complexo-pai em nossos filhos e com tanta freqüência persiste na vida adulta, parece estender-se ao animal totêmico em sua capacidade de substituto do pai.
Naturalmente, não há lugar para os primórdios do totemismo na horda primeva de Darwin. Tudo o que aí encontramos é um pai violento e ciumento que guarda todas as fêmeas para si próprio e expulsa os filhos à medida que crescem. Esse estado primitivo da sociedade nunca foi objeto de observação. O tipo mais primitivo de organização que realmente encontramos - que ainda se acha em vigor, até os dias de hoje, em certas tribos - consiste em grupos de machos; esses grupos são compostos de membros com direitos iguais e estão sujeitos às restrições do sistema totêmico, inclusive a herança através da mãe. Poderia essa forma de organização ter-se desenvolvido a partir da outra? E, se assim foi, ao longo de que linhas? Certo dia, os irmãos que tinham sido expulsos retornaram juntos, mataram e devoraram o pai, colocando assim um fim à horda patriarcal. Unidos, tiveram a coragem de fazê-lo e foram bem sucedidos no que lhes teria sido impossível fazer individualmente. (Algum avanço cultural, talvez o domínio de uma nova arma, proporcionou-lhes um senso de força superior.) Selvagens canibais como eram, não é preciso dizer que não apenas matavam, mas também devoravam a vítima. O violento pai primevo fora sem dúvida o temido e invejado modelo de cada um do grupo de irmãos: e, pelo ato de devorá-lo, realizavam a identificação com ele, cada um deles adquirindo uma parte de sua força. A refeição totêmica, que é talvez o mais antigo festival da humanidade, seria assim uma repetição, e uma comemoração desse ato memorável e criminoso, que foi o começo de tantas coisas: da organização social, das restrições morais e da religião. Odiavam o pai, que representava um obstáculo tão formidável ao seu anseio de poder e aos desejos sexuais; mas amavam-no e admiravam-no também. Após terem-se livrado dele, satisfeito o ódio e posto em prática os desejos de identificarem-se com ele, a afeição que todo esse tempo tinha sido recalcada estava fadada a fazer-se sentir e assim o fez sob a forma de remorso. Um sentimento de culpa surgiu, o qual, nesse caso, coincidia com o remorso sentido por todo o grupo. O pai morto tornou-se mais forte do que o fora vivo - pois os acontecimentos tomaram o curso que com tanta freqüência os vemos tomar nos assuntos humanos ainda hoje. O que até então fora interdito por sua existência real foi doravante proibido pelos próprios filhos, de acordo com o procedimento psicológico que nos é tão familiar nas psicanálises, sob o nome de ‘obediência adiada’. Anularam o próprio ato proibindo a morte do totem, o substituto do pai; e renunciaram aos seus frutos abrindo mão da reivindicação às mulheres que agora tinham sido libertadas. Criaram assim, do sentimento de culpa filial, os dois tabus fundamentais do totemismo, que, por essa própria razão, corresponderam inevitavelmente aos dois desejos reprimidos do complexo de Édipo. Quem quer que infringisse esse tabus tornava-se culpado dos dois únicos crimes pelos quais a sociedade primitiva se interessava. Embora os irmãos se tivessem reunido em grupo para derrotar o pai, todos eram rivais uns dos outros em relação às mulheres. Cada um quereria, como o pai, ter todas as mulheres para si. A nova organização terminaria numa luta de todos contra todos, pois nenhum deles tinha força tão predominante a ponto de ser capaz de assumir o lugar do pai com êxito. Assim, os irmãos não tiveram outra alternativa, se queriam viver juntos - talvez somente depois de terem passado por muitas crises perigosas -, do que instituir a lei contra o incesto, pela qual todos, de igual modo, renunciavam às mulheres que desejavam e que tinham sido o motivo principal para se livrarem do pai. Ao concluir, então, esta investigação excepcionalmente condensada, gostaria de insistir em que o resultado dela mostra que os começos da religião, da moral, da sociedade e da arte convergem para o complexo de Édipo. Diante do exposto, Freud defendeu a tese de que o pai primevo morto pelos seus filhos continua vivo através do sentimento de culpa e remorso dos filhos. Isso favoreceu a proibição do incesto que perpetua-se na mais diversas culturas.


 Bibliografia

SPARANO, Maria Cristina de Távora. Epistemologia da psicanálise / Maria Cristina de Távora Sparano. – Dados eletrônicos. - Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, Secretaria de Ensino a Distância, 2017.

Freud, Sigmund.Totem e Tabu. Tradução Órizon Carneiro Muniz. Rio de Janeiro: Imago, 1974b. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. XIII)




segunda-feira, 12 de março de 2018


Cinema e Psicanálise

I.                    O texto fornece dois exemplos de cinema para apresentar um conceito psicanalítico. Vários livros e textos de divulgação têm sido escritos fazendo cruzamento entre imagens e cenas cinematográficas com conceitos psicanalíticos. Escolha umas cenas ou imagens de um filme e realize um exercício semelhante, utilizando conceitos psicanalíticos do seu conhecimento como desejo ou inconsciente, entre outros. Esta atividade será postada no blog do aluno .

Filme: Elis

Data de lançamento 24 de novembro de 2016 (1h 55min)

Direção: Hugo Prata

Elenco: Andreia Horta, Caco Ciocler, Gustavo Machado mais

Gêneros Drama, Biografia

Nacionalidade Brasil

Sinopse e detalhes

Não recomendado para menores de 14 anos

Cantora desde a infância, Elis Regina Carvalho Costa (Andreia Horta) entra na vida adulta deixando o Rio Grande do Sul para espalhar seu talento pelo Brasil a partir do Rio de Janeiro. Em rápida ascensão, ela logo conquista uma legião de fãs, entre eles o famoso compositor e produtor Ronaldo Bôscoli (Gustavo Machado), com quem acaba se casando. Estrela de TV, polêmica, intensa e briguenta, a "Pimentinha" não tarda a ser reconhecida como a maior voz do Brasil, em carreira marcada por altos e baixos.

Elis procura todas as formas de realizar seu sonho de ser cantora, é essa obsessão que norteia toda sua vida. Perez sintetizou muito bem esse fenômeno: “Aquilo que é objeto de satisfação se torna, por sua vez, causa de desejo. Numa lógica que não é a da identidade, o objeto é simultaneamente alvo e motor.” (Perez, 2017 p. 9)

Elis a certa altura da vida comete suicídio através de uma overdose de cocaína e bebidas alcoólicas. Aqui é possível recorrer as ideias de Freud sobre essa temática, a saber, o suicídio. Mas antes de chegar ao extremo do suicídio, Elis apresentava um quadro de angustia, aparentemente motivada por entre outras coisas, pela pressão que determinadas pessoas e grupos faziam pela sua posição de apoio aos militares. Para ser mais claro, Elis foi pressionada a fazer um show para os militares, e isso foi visto por alguns como apoio a Ditadura Militar no Brasil.

Freud define assim define a angustia: “Logo ficou claro para mim que a angústia de meus pacientes neuróticos tinha muito a ver com a sexualidade; e me chamou especialmente a atenção a certeza com que o coitus interruptus praticado numa mulher conduz à neurose de angústia. (...) A neurose de angústia afeta tanto as mulheres que são frígidas no coito como as que têm sensibilidade. (Freud, 1894/1996g, p.261).

Apesar da imagem de Elis ser apresentada como de uma mulher forte e bem resolvida, ela trazia dentro de si uma sensibilidade. Além disso, se faz necessário adentrar-se no conceito de pulsão de Freud para esclarecer ainda mais o caso em questão. Freud apresenta dois tipos de pulsões: pulsão de vida/Eros e pulsão de morte/Tânato. De acordo com o pai da psicanálise “se distingam dois grupos de tais instintos primordiais: os instintos do ego, ou autopreservativos, e os instintos sexuais.” (Freud, 1915/1996g, p.139)

A pulsão de morte é tendência de autodestruição do indivíduo; uma força que se opõe a pulsão de vida. “"Esses tortuosos caminhos para a morte, fielmente seguidos pelos instintos de conservação, nos apresentariam hoje, portanto, o quadro dos fenômenos da vida" (Freud, 1920/1996b p. 49). Assim Elis ao olhar para dentro de si sente uma profunda tristeza e uma vontade de fugir deste mundo, e a solução para isso ela encontrou em uma overdose de drogas associada a bebida alcoólicas.

Freud esclarece que o “ser humano não é um ser manso, amável, no máximo capaz de defender-se se for atacado, mas é lícito atribuir à sua dotação pulsional uma boa dose de agressividade” (FREUD, 1930, p. 108). Ele ver o homem como um ser violento, e ao mesmo tempo, capaz de exercer atos agressivos contra seu semelhante e a si próprio. Elis Regina é um exemplo dessa visão freudiana. Ademais, essa proposição levará Freud a apresentar a agressividade como uma força autônoma originária e independente da sexualidade: “a tendência agressiva é uma disposição pulsional autônoma, originária, do ser humano” (FREUD, 1930, p. 116).

Em Luto e Melancolia Freud anotou que “o sujeito só pode se matar... se puder tratar a si mesmo como um objeto”. Mais adiante, na segunda tópica, ao lançar mão das instâncias do eu, ideal do eu e supereu, avança na questão ao tratar da tirania do supereu na exaltação do sentimento de culpa.

 Evidentemente que o Filme Elis apresenta diversas outras questões que servem de reflexões psicanalíticas, mas aqui apenas desejamos esboçar alguns poucos fragmentos nesta direção. Realizamos um brevíssimo sobrevoo sobre o suicídio no pensamento de Freud, mas cientes de que mesmo aí há muito ainda a ser desbravado.





Bibliografia

Freud, S. (1996b). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In J. Strachey, Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. 7). Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1905).

Freud, S. (1996g). Rascunho E: Como se origina a angústia (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. 1, pp. 235-241). Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1894).

FREUD, S. (1930) “El malestar en la cultura”, v. XXI.

FREUD, Sigmund, “Luto e Melancolia” (1917 [1915]) in Obras Completas, Rio de Janeiro: Imago, 1969.


domingo, 25 de fevereiro de 2018

“PROJETO PARA UMA PSICOLOGIA CIENTÍFICA” DE FREUD


Freud devolve uma teoria para explicar como funciona o sistema nervoso baseado na ação do princípio inicial, a saber, de inércia.  Através desse princípio inicial, os neurônios procuram se livrar da quantidade de energia que perpassa todo o sistema. Afirma Freud (1895 [1950]):



“Partindo dessa concepção [da excitação neuronal como uma quantidade em estado de fluxo], pôde-se estabelecer um princípio básico da atividade neuronal em relação a Q[1], que prometia ser extremamente elucidativo, visto que parecia abranger toda a função. Esse é o princípio da inércia neuronal: os neurônios tendem a se livrar de Q”. (p. 348)



A meta do neurônio é de “livrar-se da quantidade” e de toda a energia, de forma que Q seja igual a zero (Q=0). Freud almeja com isso “é prover uma psicologia que seja ciência natural: isto é, representar os processos psíquicos como estados quantitativamente determinados de partículas materiais especificáveis, tornando assim esses processos claros e livres de contradição” (Freud, 1895 p. 223/224). Freud transforma os neurônios em matéria e por isso é regido pelas leis do movimento.

O sistema nervoso é ativado através dos neurônios sensoriais, graças a excitações que atingem o corpo. Essas excitações são descarregadas através dos neurônios motores, pela fuga do estímulo. Deve-se lembrar que os estímulos externos, o princípio de inércia (Qn = 0)[2] pode ser mantido. Vale a pena ressaltar que “o princípio da inércia explica a dicotomia estrutural [dos neurônios] em motores e sensoriais, como um dispositivo destinado a neutralizar a recepção de Q, através de sua descarga” (Freud, 1985 p. 224).

A função primária do sistema nervoso usa a energia (Q) da irritabilidade geral do protoplasma, com a superfície externa irritável do corpo, para descarrega-la nos músculos e, desse modo, se mantém livre do estímulo. A função secundária do sistema nervoso surge como o caminho pelo qual se prefere e conserva a cessação do estímulo. Aqui se estabelece “uma proporção entre a Q de excitação e o esforço requerido para a fuga do estímulo, de modo que o princípio da inércia não seja abalado por isso” (Freud, 1985 p. 224).

A inércia é rompida na medida em que aumenta os estímulos endógenos no sistema nervoso, a tal ponto que precisam ser descarregados. A origem destes estímulos são as células do corpo, e desta forma criam as necessidades vitais como respiração, a sexualidade, etc. Esses estímulos só sessam quando são atendidos pelo indivíduo. Freud assim coloca essa dinâmica fundamental a manutenção da vida:



“Em consequência, o sistema nervoso é obrigado a abandonar sua tendência original à inércia (isto é, a reduzir o nível [da Q a zero). Precisa tolerar [a manutenção de] um acúmulo de Q suficiente para satisfazer as exigências de uma ação específica. Mesmo assim, a maneira como realiza isso demonstra que a mesma tendência persiste, modificada pelo empenho de ao menos manter a Q no mais baixo nível possível e de se resguardar contra qualquer aumento da mesma - ou seja, mantê-la constante.” (Freud, 1985 p. 225)



Freud no Projeto tem como um dos seus objetivos relacionar energia (Q) com o neurônio. Mesmo que haja várias categorias de neurônios, eles estão interligados e “recebem [excitações] através dos processos celulares [dendritos] e [deles se descarregam] através de um cilindro axial [axônio]” (Freud, 1985 p. 225). Mas há no sistema aquilo que Freud classificou como barreira de contato entre os neurônios, ou seja, resistências opostas à descarga.

Freud esclarece que a via de condução passa através do protoplasma indiferenciado, e não (como se dá afora isso, dentro do neurônio) através do protoplasma diferenciado, que provavelmente se adapta melhor à condução. O sistema de barreira de contato entre os neurônios facilita a compreensão de funcionamento da memória, graças “a uma classe de neurônios a característica de ser permanentemente influenciada pela excitação, ao passo que a imutabilidade - a característica de estar livre para excitações inéditas - corresponderia a outra classe” (Freud, 1985 p. 226).

Freud defende a tese de que há neurônios que permite que a carga de energia (Q) passe, depois de cada passagem de excitação permanecem no mesmo estado anterior; porém há outra classe de neurônios que dificultam essa passagem de energia (Q). “Os dessa última classe podem, depois de cada excitação, ficar num estado diferente do anterior, fornecendo assim uma possibilidade de representar a memória” (Freud, 1985 p. 227).

Os neurônios permeáveis não dificultam a passagem e não retém a energia (Q), já os impermeáveis resistem e retém. De acordo com esse princípio, a memória está representada pelas facilitações existentes entre os neurônios. A memória pode ser caracterizada como uma experiência (isto é, sua força eficaz contínua). Dito de outro modo, “a facilitação depende da Q que passa pelo neurônio no processo excitativo) e do número de vezes em que esse processo se repete” (Freud, 1985 p. 228). A energia (Q) nunca é eliminada totalmente do sistema, pois do contrária não seria possível manter os impulsos vitais operantes.

Freud ao desenvolver a teoria das duas espécies de neurônios, permeáveis e impermeáveis, torna possível propor que eles guardam e mesmo tempo ainda recebem mais energia. “Toda aquisição psíquica, neste caso, consistiria na organização do sistema por suspensões parcial e localmente determinadas da resistência nas barreiras de contato” (Freud, 1985 p. 229). Vale a pena lembrar que mesmo com a existência de duas categorias de neurônios não é possível estabelecer claras diferenças de funcionamento deles.

Freud segue com sua teoria das duas espécies de neurônios, e procura relaciona as particularidades de cada um com a constituição do cérebro, ou seja:



“existe um sistema de neurônios (a massa cinzenta da medula espinhal) que é o único a estar em contacto com o mundo externo, e um sistema superposto (a massa cinzenta do cérebro) que não tem ligações periféricas, mas ao qual estão relacionados o desenvolvimento do sistema nervoso e as funções psíquicas.” (Freud, 1985 p. 230).



Esse formato em que se apresenta o cérebro humano, ajuda a entender como se dá ligação do sistema nervoso com o mundo externo. Não está bem compreendida para Sigmund Freud as esfericidades deste sistema nervoso e como que o organismo o desenvolveu. Em seguida ele passa a investigar a quantidade de energia que chega de mundo externo e interno para o sistema nervoso e qualifica qual é o mais importante.

Freud explica que o mundo externo constitui a fonte de todas as grandes quantidades de energia. O sistema que lida com essas energias advindas do exterior tem como função descarrega-las e ao mesmo tempo filtra-las no sistema nervoso e minimizar os impactos neles. Não são os neurônios que diretamente lidam com a energia do mundo externo, mais outros sistemas celulares do corpo.



“Isso mostra que a terminação de um neurônio e a conexão entre os neurônios são constituídas da mesma forma e que os neurônios terminam uns nos outros do mesmo modo que os elementos somáticos [cf. em [1]]; provavelmente, o caráter funcional de ambos os processos também é do mesmo tipo. É provável que as extremidades nervosas e no caso da condução intercelular sejam manejadas quantidades semelhantes.” (Freud, 1985 p. 231)



Surge diante dessa teoria a necessidade de explicar mais detalhadamente a questão da quantidade de energia. Freud admite que elas sejam de uma ordem de magnitude relativamente pequena e idêntica à das resistências das barreiras de contato. Neste sentido, se faz necessário ressaltar que o sistema nervoso sempre trabalha para manter Q=0, e as descargas sobre os neurônios são atenuadas pelas estruturas celulares exógenas, nas palavras de Freud, “bem poderiam ter a finalidade de não permitir que as Qs exógenas incidissem com o máximo de intensidade sobre, mas sim a de atenuá-las” (Freud, 1985 p. 232).

Freud utiliza-se da dor para elucidar melhor sua teoria da quantidade de energia. Como foi elucidado a cima, o sistema nervoso está constituído de tal maneira que as grandes Qs externas fiquem afastadas o máximo possível dos neurônios permeáveis e impermeáveis. A dor seria uma espécie de “falha” desses dispositivos que bloqueiam a passagem de energia do mundo externo para o sistema nervoso. Isso fica mais evidente quando se leva em conta que o sistema nervoso quer fugir o máximo possível da dor.  Mais uma vez é salutar recorrer as palavras de Freud:

“As causas precipitadoras da dor são, por um lado, o aumento de quantidade: toda excitação sensorial, mesmo a dos órgãos superiores dos sentidos, tende a se transformar em dor à medida que o estímulo aumenta. Isso deve ser interpretado, sem hesitação, como uma falha [do dispositivo]. Por outro lado, a dor se manifesta quando a quantidade externa é pequena, e, nesses casos, aparece sempre vinculada a uma interrupção da continuidade: isto é, uma Q externa que atua diretamente sobre as terminações dos neurônios, e não através dos aparelhos de terminações nervosas, produz a dor” (Freud, 1985 p. 233).

Não basta entender sobre a quantidade de energia (Q) para compreender o sistema nervoso, mas também abordar a qualidade dessa energia. Aqui Freud passa a abordar a questão da consciência, principalmente pela sua incapacidade de não perceber os neurônios e a quantidade de energia. Dito de outro modo, a consciência não oferece conhecimentos plenos dos processos neuronais, mas que eles se passam no inconsciente.

A consciência permite ao indivíduo qualificar as diversas manifestações das sensações e, ao mesmo tempo, diferenciá-las. Aqui não está envolvido a necessidade de quantificar as sensações. Resta claro que a qualificação das sensações pela consciência se passa no interior do sistema nervoso. Contudo, resta esclarecer de onde vem a qualidade para a consciência.

Surge diante desse imbróglio uma saída, a saber, de natureza temporal, em “que toda a resistência das barreiras de contato se aplica somente à transferência de Q, mas que o período do movimento neuronal é transmitido a todas as direções sem inibição, como se fosse um processo de indução” (Freud, 1985 p. 235). Freud classifica esse processo de diferenças de período, localizada nos órgãos dos sentidos. É salutar esclarecer que os órgãos dos sentidos não só funcionam como telas de Q, mas também são os responsáveis por transmitirem essa diferença de período.

Freud lembra que “A consciência é aqui o lado subjetivo de uma parte dos processos físicos do sistema nervoso, isto é, dos processos; e a omissão da consciência não deixa os eventos psíquicos inalterados, mas acarreta a falta da contribuição de” (Freud, 1985 p. 236). É nos neurônios que surgem, via consciência, as sensações de prazer e desprazer. Todo sistema psicológico sempre tende a fugir do desprazer, fato que possivelmente eleva a carga de energia (Q) e/ou aumenta a carga quantitativa. O prazer corresponderia à sensação de descarga. Freud afirma que:                                



“O prazer e o desprazer seriam as sensações correspondentes à própria catexia de , ao seu próprio nível; e aqui e funcionariam, por assim dizer, como vasos comunicantes. Desse modo também chegariam à consciência os processos quantitativos em, mais uma vez como qualidades” (Freud, 1985 p. 237).



Agora será apresentado o funcionamento do sistema. As cargas de energia advindas do mundo externo penetram no sistema, e são fragmentadas e filtradas nas terminações nervosas. Só chegam aos neurônios energias quantitativas capazes de serem transformadas em qualitativas. No mundo externo, os processos exibem uma sucessão contínua em duas direções, segundo a quantidade e o período (qualidade), os estímulos correspondentes [aos processos] ficam, no que diz respeito à quantidade, em primeiro lugar reduzidos e, em segundo, limitados em virtude de uma excisão, e, no que diz respeito à qualidade, ficam descontínuos, de modo que certos períodos nem sequer atuam como estímulos.

As vias y são uma linha direta do corpo para os neurônios e são as molas mestras do sistema psíquico. Os estímulos endógenos, de natureza intercelular, acumulam energia e em seu caminho até y; enfrentam resistência que só são superadas com aumento dessa energia. As vias de condução, portanto, são compostas de segmentos múltiplos, tendo uma série de barreiras de contato intercaladas até chegar ao núcleo de y. Acima de determinada Q, porém, elas [as excitações endógenas] atuam continuamente como um estímulo, e cada aumento de Q é percebido como um aumento do estímulo y. Isso implica, então, a existência de um estado em que a via de condução torna a recuperar sua resistência. Todo esse processo é chamado por Freud como soma.

Os neurônios y são ao mesmo tempo permeáveis e impermeáveis, sendo capazes de recuperar-se mesmo depois da passagem de energia (Q). Esse fato os influencia no sentido de facilitação. Durante a passagem de energia nesse sistema y não a resistência, somente depois é que ela aparece. “Disso se conclui, porém, que as barreiras de contato y são, em geral, mais altas do que as vias [endógenas] de condução, de modo que nos neurônios nucleares possa produzir-se uma nova acumulação de Q” (Freud, 1985 p. 240).

Freud dedica-se a explicar a essa altura o mecanismo da experiência de satisfação. Quando os neurônios nucleares estão cheios em y eles tendem a descarga através da via motora. Essas descargas causam alterações internas tais como o grito, inervação vascular e as emoções. Para eliminar os efeitos desta descarga se faz necessário reduzi-la com estímulos do mundo externo, como comida, aproximação do objeto sexual desejado, etc.  Vale lembrar que esse estímulo externo só pode ser por uma outra pessoa, que ao expor qualquer uma das coisas a cima elencadas, produz uma redução do estímulo endógeno. O efeito de redução do estímulo endógeno gera a experiência de satisfação no desamparado. De acordo com Freud:



“Isso porque três coisas ocorrem no sistema: (1) efetua-se uma descarga permanente e, assim, elimina-se a urgência que causou desprazer em; (2) produz-se no pallium a catexização de um (ou de vários) neurônio que corresponde à percepção do objeto; e (3) em outros pontos do pallium chegam as informações sobre a descarga do movimento reflexo liberado que se segue à ação específica. Estabelece-se então uma facilitação entre as catexias e os neurônios nucleares” (Freud, 1985 p. 241).



A experiência da dor é o resultado de uma enorme descarga nos neurônios y via sistema endógeno. O resultado disso é uma sensação de desprazer e uma imagem mnêmica do objeto que provoca a dor. Quando a imagem mnêmica do objeto causador da dor aparece, o indivíduo volta a ter os mesmos sintomas da dor, mesmo não sendo efetivamente dor. Esse estado inclui o desprazer e a tendência à descarga que corresponde à experiência da dor; “resta, pois, pressupor que, devido à catexia das lembranças, o desprazer é liberado do interior do corpo e de novo transmitido” (Freud, 1985 p. 243).

Os afetos e o estado de desejo são produtos da experiência da dor e da satisfação. Ambos provocam grandes tensões de Q em y produzindo, no caso de um afeto, pela liberação súbita e, no de um desejo, por soma. O estado do desejo resulta numa atração positiva para o objeto desejado, ou mais precisamente, por sua imagem mnêmica; a experiência da dor leva à repulsa, à aversão por manter catexizada a imagem mnêmica da dor leva à repulsa, à aversão por manter catexizada a imagem mnêmica hostil.

O Ego é o mecanismo pelo qual y organiza a satisfação e a dor. Freud define ego “como a totalidade das catexias y existentes em determinado momento, nas quais cumpre diferenciar um componente permanente e outro mutável [em [1], adiante]” (Freud, 1985 p. 245). Quando há inibição por um ego catexizado, as indicações de descarga w tornam-se, em termos muito gerais, indicações da   realidade, que y aprende biologicamente a aproveitar. Quando o ego, no momento em que surge essa indicação da realidade, se encontra em estado de tensão e desejo, ela permite que se siga uma descarga no sentido da ação específica. Quando a indicação da realidade coincide com um aumento do desprazer, y produzirá então, por meio de uma catexia colateral de considerável grandeza, uma defesa de magnitude normal situada no lugar indicado. Se não ocorrer nenhuma dessas duas circunstâncias, a catexia poderá prosseguir sem nenhum impedimento, de acordo com as condições em que se encontrem as facilitações.

A cognição e o pensamento reprodutivo. Assim, julgar (função cognitiva) é um processo que só se torna possível graças à inibição pelo ego e que é evocado pela dessemelhança entre a catexia de desejo de uma lembrança e a catexia perceptual que lhe seja semelhante. Freud lembra que o “pensamento reprodutivo tem, pois, um objetivo prático e um fim biologicamente estabelecido

- a saber, conduzir de volta para a catexia do neurônio desaparecido uma Q que está migrando da percepção supérflua [indesejada]” (Freud, 1985 p. 251). Nenhuma experiência sexual produz qualquer efeito enquanto o sujeito ignora toda e qualquer sensação sexual. O processo de pensamento consiste na catexia dos neurônios y, acompanhada por uma mudança, promovida pela catexia colateral do ego, naquilo que é imposto pelas facilitações.

Por fim Freud aborda a questão do sonho, definindo-o como realizações de desejos, geralmente reprimidos. Além disso, é interessante que, nos sonhos, a consciência fornece a qualidade com a mesma facilidade que na vida desperta.

Freud procurou articular o sistema nervoso com os processos psíquicos, e a partir disso estabelecer a relação corpo e mente. Neste sentido o princípio da inércia nervosa, desenvolvido por Freud, postulava que os neurônios desejam libertar-se das cargas elétricas mentais. A análise destes processos permitiu que Freud compreendesse a gênese das faculdades mentais e a noção de prazer neles implicados.

O pai da psicanálise defendia a tese de que “o sistema nervoso consistia apenas do conjunto de neurônios que Freud nomeou phi, permitindo um percurso para a excitação que vai da extremidade perceptiva à extremidade motora do sistema.” (Bocca, 2017) Porém diante das mais diversas fontes que excitavam o corpo, foi necessário o desenvolvimento do sistema neurológico humano, com suas funções de percepção, memória e consciência.

Os estímulos corporais, como a fome, a sede, e todos os demais, são responsáveis pela manutenção da vida. “Por isso o sistema nervoso passa, além de admitir, a promover o armazenamento de parte desse estímulo” (Bocca, 2017) produzidos pelo corpo. Vale a pena ressaltar que o corpo não elimina totalmente a carga elétrica responsável pelos estímulos vitais a vida. “Dessa forma, o que dá constituição e complexidade à arquitetura do sistema nervoso é, em primeiro lugar, a conjugação entre a necessidade de eliminação e a de acúmulo de estímulos; e em segundo lugar, as resistências que dificultam, ao mesmo tempo em que regulam, a eliminação, isto é, as chamadas barreiras de contato.” (Bocca, 2017 p. 26)

Freud afirmava existir duas funções básicas dos neurônios, a saber, a perceptiva e a recordativa. A intensidade e a quantidade dos estímulos recebidos pelos neurônios determinam o escoamento pelas células perceptivas, seja para promover a conservação pelas células recordativas. Assim Freud postulava que os neurônios phi são responsáveis pela percepção e o psi pela recordação.

A descrição quantitativa do funcionamento do corpo via estímulos mentais é insuficiente para explicar as motivações que dirigem as ações humanas, tais como medo, coragem e amor. Surge então a necessidade do elemento qualitativo para preencher essa laguna de funcionamento e da relação corpo e mente. A seguir será apresentada as qualidades psíquicas responsáveis por elucidar a intencionalidade das ações humanas.

Freud estudou a dor a fim de compreender melhor as qualidades psíquicas. Em primeiro lugar ele constatou que a dor coloca em movimento simultaneamente os neurônios de categoria psi e phi. Em seguida ele procurou atuar no aspecto qualitativo da dor, ou seja, na consciência que o indivíduo possui da dor. Assim, Freud desenvolve a noção de uma terceira categoria de neurônios, a saber, ômega.

São através dos neurônios de categoria ômega, que o sistema neurológico, transforma os estímulos de quantitativos para qualitativos. Outro fato importante a ser mencionado é que a consciência da dor está ligada aos neurônios ômega. “Com isso pôde sustentar que o fundamento da consciência estaria relacionado a ela, isto é, que o sistema Ômega seria afetado segundo períodos de excitação, dando subsídios para a qualificação operada pela consciência, que assim apresenta como um de seus conteúdos a série de sensações de prazer e de desprazer.” (Bocca, 2017 p. 30)

























Bibliografia

Bocca, Francisco Verardi. Paixões & psicanálise [recurso eletrônico] : dimensões modernas da natureza humana / Francisco Verardi Bocca. - Dados eletrônicos. - Vitória : Universidade Federal do Espírito Santo, Secretaria de Ensino a Distância, 2017.

FREUD, S. (1895 [1950]). Projeto para uma psicologia científica. Trad. sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. 1).



[1] Q = Quantidade (em geral, ou da ordem de magnitude no mundo externo)
[2] QN= Princípio de inércia

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